subitamente

Hoje não é domingo e não há nada de muito novo mas cá estou eu.
Cheguei a rascunhar alguma coisa sobre como me irritavam os sites que, depois de demorar um bom tempo para carregar, traziam a mensagem " em construção", mas nem coragem tive de postar aqui, tamanha a vergonha por tão longa ausência...
Não falemos mais sobre o prometido livro que nunca vem senão em pedaços. Esfriou, apareceu uma coisa aqui, outra ali e passou esse caminhão de tempo. Agora ficamos assim: quando pintar pintou. Sem pressão. Até lá volta e meia venho voltear por essas bandas. Quem quiser acompanhar será bem vindo.
Hoje falei sobre o blog e entreguei um cartãozinho metido que fiz numa empolgação infantil quando o criamos. Era o último dos distribuídos na época, depois perdidos, e restava solitário na minha gaveta do trabalho.
Aí fiquei pensando que talvez ao receber um cartão assim assim, a pessoa podia criar uma expectativa assim assado e resolvi dar uma conferida nas coisas por aqui.
Por conta da disposição das postagens na página, os contos do projeto inicial, o CATALOGRAFIAS, estão láaaaaa em baixo e quem não tiver paciência não vai nem imaginá-los. Se o caso for, autorizo pular todo o resto e passar direto para a postagem de título "o último fôlego", que é o conto situado no Outeiro da Glória.
Vale começar por ali ou mesmo pela apresentação do CATALOGRAFIAS.
Ah, besteira, vale qualquer coisa.
Vale até que eu esteja aqui hoje, quarta-feira, depois de taaaaanto tempo fora, que também valeu e vale mais um conto dos selecionados para o livro, que tal?
Mas a foto fica para depois, quem sabe no livro, porque nesse retorno súbito, nem falei com a Márcia sobre liberar mais um conto do projeto.



Chovia. Do céu e dos olhos dela caiam simultâneas duas chuvas, uma insípida outra salobra, sobre a tarde nublada.
Como em um jogo de resta um, gota a gota todas as peças deixaram o tabuleiro, o parque. Restava um, era ela.
Máquina fotográfica a tiracolo e guarda-chuva em punho, pôs-se a caminhar sozinha pelo deserto Parque Lage. Passo depois de passo, a cabeça baixa e os olhos mirando cada vez mais fundo como através do chão. De surpresa, um sorriso de canto de boca no canto da boca, de umas memórias resgatadas, divertidas ou talvez tentadoras.
As lágrimas ainda gotejavam sobre as bochechas. Chorava só em meio à chuva.
Olhou tudo, a grama, os bancos, o caminho, olhou em volta amplo, olhou para si.
Achou-se bonita de bota e saia. Como menina orgulhosa da roupa que veste, perdeu um tempo, e mais outro, admirando-se, outra vez com a cabeça baixa, de olhos na saia e nas botas. Bonitas.
Gente grande de novo preocupou-se que alguém a estivesse a ver boba de si, chorosa e recém terminado um sorriso de canto de boca.
Foi ganhando o parque devagar. Andou por mais de um de seus caminhos, repetiu alguns sem escolhê-los, pisou grama, pisou chão e terra já um pouco lama do encontro com as chuvas.
Nada de seus olhos secarem, mas já não doía.
Nada no canto da boca, mas sorria o peito.
Nada de mais as botas já batidas, mas ainda bonitas.
Tudo aquilo e o peso do guarda-chuva. Mais pesada estava a máquina, mas não pra ela. Era o guarda-chuva que lhe pesava. Nem a dor, nem o cansaço, nem chorar ou o aperto que lhe causavam as botas. O guarda-chuva.
Andou sem fim, com máquina e guarda-chuva por longos quem sabe quinze ou vinte minutos, não mais que meia hora.
Sem fim a chuva calma, o choro contínuo, o peso, as memórias em quinze, no máximo vinte minutos, não mais que meia hora.
Cansou. Cansou, de parar. Parar de andar e paralisar. Parar de olhar, de chorar, de assanhar-se o canto da boca, de vaidades de dor no braço que segurava o guarda – chuva. Parou.
Diante do irresistível, a luz perfeita e o enquadramento preciso. Parou em apuros, largasse o guarda – chuva, choveria na máquina.
Passou a mão livre sobre o rosto e livrou-se das últimas gotas de sal que terminavam o percurso. Livrou-se do choro tolo ao secar as lágrimas com a mão que tinha livre do guarda-chuva e tudo resolvido. Fácil. Entortou-se toda a buscar um bom ângulo, com a maquina em segurança, e conquistou a foto.
Saiu com satisfação do parque. Por dentro criança, saltitante, por fora adulta, passos apressados do desejo infantil por chegar logo em casa e abrir o presente. Revelar sua descoberta para que outros olhos a descobrissem.
Ganhou o dia.
Olhou pronta a foto enquanto ia acontecendo.
Descansou feliz e esquecida. Sem choro, acabou também a chuva. É só dela a dor que ainda vai, mas por hora está muito bom e se amanhã doer de novo ela volta a chorar até que passe.

Por enquanto é só, mas só por enquanto, hein!




Um comentário:

  1. Que belo retorno!!! Espero, que dessa vez, mais uma vez, não interrompa as postagens.
    Beijos,
    Pai

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