subitamente

Hoje não é domingo e não há nada de muito novo mas cá estou eu.
Cheguei a rascunhar alguma coisa sobre como me irritavam os sites que, depois de demorar um bom tempo para carregar, traziam a mensagem " em construção", mas nem coragem tive de postar aqui, tamanha a vergonha por tão longa ausência...
Não falemos mais sobre o prometido livro que nunca vem senão em pedaços. Esfriou, apareceu uma coisa aqui, outra ali e passou esse caminhão de tempo. Agora ficamos assim: quando pintar pintou. Sem pressão. Até lá volta e meia venho voltear por essas bandas. Quem quiser acompanhar será bem vindo.
Hoje falei sobre o blog e entreguei um cartãozinho metido que fiz numa empolgação infantil quando o criamos. Era o último dos distribuídos na época, depois perdidos, e restava solitário na minha gaveta do trabalho.
Aí fiquei pensando que talvez ao receber um cartão assim assim, a pessoa podia criar uma expectativa assim assado e resolvi dar uma conferida nas coisas por aqui.
Por conta da disposição das postagens na página, os contos do projeto inicial, o CATALOGRAFIAS, estão láaaaaa em baixo e quem não tiver paciência não vai nem imaginá-los. Se o caso for, autorizo pular todo o resto e passar direto para a postagem de título "o último fôlego", que é o conto situado no Outeiro da Glória.
Vale começar por ali ou mesmo pela apresentação do CATALOGRAFIAS.
Ah, besteira, vale qualquer coisa.
Vale até que eu esteja aqui hoje, quarta-feira, depois de taaaaanto tempo fora, que também valeu e vale mais um conto dos selecionados para o livro, que tal?
Mas a foto fica para depois, quem sabe no livro, porque nesse retorno súbito, nem falei com a Márcia sobre liberar mais um conto do projeto.



Chovia. Do céu e dos olhos dela caiam simultâneas duas chuvas, uma insípida outra salobra, sobre a tarde nublada.
Como em um jogo de resta um, gota a gota todas as peças deixaram o tabuleiro, o parque. Restava um, era ela.
Máquina fotográfica a tiracolo e guarda-chuva em punho, pôs-se a caminhar sozinha pelo deserto Parque Lage. Passo depois de passo, a cabeça baixa e os olhos mirando cada vez mais fundo como através do chão. De surpresa, um sorriso de canto de boca no canto da boca, de umas memórias resgatadas, divertidas ou talvez tentadoras.
As lágrimas ainda gotejavam sobre as bochechas. Chorava só em meio à chuva.
Olhou tudo, a grama, os bancos, o caminho, olhou em volta amplo, olhou para si.
Achou-se bonita de bota e saia. Como menina orgulhosa da roupa que veste, perdeu um tempo, e mais outro, admirando-se, outra vez com a cabeça baixa, de olhos na saia e nas botas. Bonitas.
Gente grande de novo preocupou-se que alguém a estivesse a ver boba de si, chorosa e recém terminado um sorriso de canto de boca.
Foi ganhando o parque devagar. Andou por mais de um de seus caminhos, repetiu alguns sem escolhê-los, pisou grama, pisou chão e terra já um pouco lama do encontro com as chuvas.
Nada de seus olhos secarem, mas já não doía.
Nada no canto da boca, mas sorria o peito.
Nada de mais as botas já batidas, mas ainda bonitas.
Tudo aquilo e o peso do guarda-chuva. Mais pesada estava a máquina, mas não pra ela. Era o guarda-chuva que lhe pesava. Nem a dor, nem o cansaço, nem chorar ou o aperto que lhe causavam as botas. O guarda-chuva.
Andou sem fim, com máquina e guarda-chuva por longos quem sabe quinze ou vinte minutos, não mais que meia hora.
Sem fim a chuva calma, o choro contínuo, o peso, as memórias em quinze, no máximo vinte minutos, não mais que meia hora.
Cansou. Cansou, de parar. Parar de andar e paralisar. Parar de olhar, de chorar, de assanhar-se o canto da boca, de vaidades de dor no braço que segurava o guarda – chuva. Parou.
Diante do irresistível, a luz perfeita e o enquadramento preciso. Parou em apuros, largasse o guarda – chuva, choveria na máquina.
Passou a mão livre sobre o rosto e livrou-se das últimas gotas de sal que terminavam o percurso. Livrou-se do choro tolo ao secar as lágrimas com a mão que tinha livre do guarda-chuva e tudo resolvido. Fácil. Entortou-se toda a buscar um bom ângulo, com a maquina em segurança, e conquistou a foto.
Saiu com satisfação do parque. Por dentro criança, saltitante, por fora adulta, passos apressados do desejo infantil por chegar logo em casa e abrir o presente. Revelar sua descoberta para que outros olhos a descobrissem.
Ganhou o dia.
Olhou pronta a foto enquanto ia acontecendo.
Descansou feliz e esquecida. Sem choro, acabou também a chuva. É só dela a dor que ainda vai, mas por hora está muito bom e se amanhã doer de novo ela volta a chorar até que passe.

Por enquanto é só, mas só por enquanto, hein!




Um pouco confusa...

Não tenho certeza se hoje era eu quem deveria escrever ou a Márcia. Furei um domingo desses pq estava gripada e em meio a lenços de papel e corpo mole, acabei me esquecendo da tarefa....
Enfim, se hj é dia da Márcia, logo ela pinta por aqui e este será um domingo de compensação das faltas , com duas novas postagens.
Antes porém, quero dizer que não desistimos de lançar o livro na íntegra, mas percebo agora que talvez tenhamos nos antecipado em prometê-lo. Isso pela maneira que o idealizamos e queremos... Estamos esperando uma revisão e o prefácio de uma amiga querida, mas no meio do caminho tivemos casamento, compra e venda de imóvel, gripe, trabalho, COPA DO MUNDO(...) holandeses de merda(...) e eu ainda me meti numa obra!
Aproveito inclusive para pedir desculpas à Márcia e à Carol, nossa amiga querida e colaboradora fundamental, pelo afastamento e para dizer que foi completamente involuntário e por pressão das circunstâncias. Desculpas, meninas.
Bom, mas agora vamos lá...
Este ano teve um concurso de contos cujo tema era "o que você espera dos próximos 150 anos?"
AAAAARRRRRGGGGHHHHHHH! Diante de um tema assim tão ... tão... ah, não sei, tão fechado, tão limitado e direto, relutei em me inscrever até a véspera, quando resolvi sentar diante do computador e arriscar alguma coisa.
Saiu isso que deixo hj aqui: "Futuros e presentes" e fico esperando as opiniões sincers e diretas dos que as quiserem dar.
Até daqui a 15 dias. Um abraço.



Futuros e presentes



Sentada na bancada de madeira sob a janela, com uma xícara fumegante nas mãos, enquanto admirava a chuva do outro lado do vidro, sentiu-se americana.
A bancada foi feita a partir de desenho seu e a contragosto do arquiteto que lá pelo fim de toda a confusão da reforma, por causa de um capricho, tivera que achar um jeito de encaixar no projeto aquela porcaria de bancada. A inspiração era de fato americana, dos filmes e ultimamente séries de TV a que tinha passado a dedicar atenção algumas boas horas de seus dias. Na xícara fumegante por sorte havia apenas chá. Fosse chocolate quente com mini marshmalows, diria “hi darling” ao marido quando entrasse no quarto, no lugar de um simples “boa noite, amor”.
Por sorte somente chá e por sorte uma xícara, porque se caneca fosse...
Ali, na bancada ao olhar a chuva, os filhos já crescidos, a vida de todo dia, sentindo alguma estrangeirice, não conseguia esquecer o homem furioso daquela tarde no meio da rua.
A barba, os berros, a raiva,a afronta naquela acusação e a vontade de acabar com a raça dele bem ali, na frente de todo mundo. Não chegou a querer matar o infeliz, não, na verdade, não sabia exatamente o que estava com vontade de fazer, só pensava na expressão assim bem pura “acabar com a raça dele”. E uma raiva que ia subindo dentro dela e contra aqueles gritos, mas não deu em nada. Deixou escapar uma gargalhada que forçava um pouco de deboche e desdém e olhou em volta, sacudindo a cabeça, dizendo: Maluco!
Por vergonha só e como quem ri exagerado de si quando cai na frente dos outros, saiu apressada dali ainda balançando a cabeça e fingindo ter achado graça do episódio, caso alguém estivesse olhando.
Agora, em casa, chuva lá fora, sozinha até que voltem todos para o jantar, revia os olhos esbugalhados do homem enfurecido: Dondoca, tem mais gente no mundo além de tu, viu?! Tá pensando que é dona disso aqui ó (e girava apontando tudo e nada ao mesmo tempo). Nada disso é só seu não! Nada disso é de um só. Tá pensando o que, amanhã tu morre, problema teu, mas o mundo continua e tem aí mais um bando de gente pra viver nele! Hoje é um lixinho na rua, amanhã isso aqui vira um aterro sanitário, madame! Lixo leva tempo pra partir, dona! (isso já aos berros).Você ainda dura o que? Uns vinte, trinta anos? Isso aí ó, até sumir, mais uns cem, cento e cinqüenta...
Parada, atônita, sem certeza completa de que ele falava com ela, continuou ali ouvindo aquela bronca dessas como a tempos não ouvia. Não sei eu exatamente porque, e talvez nem ela saiba, mas ficou ainda mais um pouco, enquanto ele continuava a bradar: Cento e cinqüenta?! E daí, né?! Tu num vai ta aqui mesmo, que se dane! Então é só isso, bonitinha? É só hoje? E amanhã, e depois, e os próximos cento e cinqüenta anos?
Chega! Alguma coisa dentro dela exclamou. Fingiu seu estado de surpresa e confusão na gargalhada breve e debochada e bateu em retirada com a cabeça balançante, dizendo:Maluco!
Era mesmo só um lixinho. Caiu da bolsa, na verdade. Não foi um ato deliberado ou mal intencionado. Foi sem intenção nenhuma, acidental.
O chão imundo, cuspe, uma água qualquer muito da suspeita, cocô sabe-se lá se de gente ou de cachorro, e um monte de outros pequenos lixinhos.
Sentiu sim um incômodo ao deixar cair da bolsa alguma coisa que nem prestou muita atenção no que era, mas, não sendo uma nota de valor considerável, nunca pensaria em resgatar daquela imundice o que quer que tenha sido se já num relance percebeu não ter valor ou importância.
Dinheiro de valor considerável não era porque não andava com isso na carteira. Fosse um telefone, uma anotação importante, não teria deixado soltos na bolsa, de modo que pudessem cair à toa. Certamente era uma nota de compra feita durante aquele dia ou aquela semana, pois tinha o hábito de jogar esses papeizinhos na bolsa para depois dar cabo de tudo em casa, com calma.
Irônico é que juntava no fundo da bolsa esses pequenos restos das tarefas diárias, justamente para não jogar nada por aí, no chão, a sujar a rua. Tudo ficava lá esquecido até que encontrasse uma lata de lixo ou que tivesse tempo em casa para rever cada um dos papéis, inventar relevância temporária para alguns e jogar o que sobrasse fora apropriadamente.
Acontece que ninguém está livre, todos sabemos, de um crime ambiental vez por outra.
Mais uma vez, como outras tantas passadas e algumas outras por vir com certeza, hoje foi a vez dela e justo por ali onde de guarda estava o mendigo insano e ensandecido nos cuidados com o planeta e o futuro e o lixo dos outros.
Podia não ter dado a mínima, mas não, não pode.
Todos já de volta e depois do jantar continuavam ecoando aqueles cento e cinqüenta anos pela frente.
Queria também um mundo lindo, com pessoas lindas e ruas limpas e comida orgânica, e netos fortes e inteligência coletiva e sustentabilidade e tudo aquilo que todo mundo quer ou diz querer esses dias, mas, francamente, que M... de figura era aquela para ficar esfregando na cara dela a culpa do avesso desses quereres?! A essa altura, louça lavada, mesa arrumada, alguns da casa na sala a ler ou ver o jornal, outros no computador, provavelmente a navegar no jornal, ela, terminado o chocolate que saboreou como sobremesa, estava P... Sentiu de novo uma vontade extrema de “acabar com a raça dele”. Agora porém, melhor que a gargalhada, vingou-se infantil, jogando deliberadamente no chão a embalagem plástica nada biodegradável que antes embrulhava o doce nada orgânico que acabara de devorar nada educadamente!
Riu-se, satisfeita de si.
Breve e divertida ilusão. Logo em seguida, sem tempo suficiente nem para que o pessoal ao redor notasse a rebeldia, levantou, catou o lixinho e foi adequadamente se desfazer dele. Não durou muito, mas ainda riu sozinha do episódio por uns dois dias.



Conversa de domingo

Hoje estou mais animada, apesar de todas as minhas enrolações com venda do meu apartamento (a do casamento já passou!), e pretendo dar uma repaginada em um blog que já havia começado em fevereiro e dei uma parada. Nele colocarei meu banco de fotografias para a galera apreciar, comentar se quiser e indicar, também se quiser.
Estou, assim como a Marcela também, ansiosa para lançar o nosso Catalografias e ver quão apreciado ele será. Espero que seja o primeiro de vários livros nossos. E que gostem!
Essa semana pensei em apenas bater papo, falar da nossa ansiedade e divagar... Por isso, não coloquei foto alguma, senão o livro vai acabar sendo publicado no blog e as fotos de um próximo projeto também... Qual seria a graça sem o suspense? É melhor vocês aguardarem o lançamento do nosso nº 1 e depois a gente vê...
Prometo que depois de julho, quando mudar, vou ficar mais centrada, concentrada. E até lá, já teremos lançado nosso filhote!

Beijos a todos

Márcia Vitor

Minha vez de novo (e me antecipo ao domingo)

Isso que te incomoda dentro do ouvido é um verme. Raro e incomum, ele cresce como passa o tempo: sem parar. Foi difícil descobri-lo, mas hoje já posso dizer sobre ele com alguma segurança de acompanhamento. Não há o que o refreie, mas que o impulsione há uma ou duas coisas que eu já tenha observado. Tenha cuidado com o que o impulsiona, como eu já disse, é um verme como o tempo: não pára.
Não sei dizer de que tamanho começou ou em que lugar do corpo. É certo que o foco está no ouvido e também que mais rápido cresce conforme o que se passa em tua cabeça.
As crises que te afligem tamanha agudeza da dor se dão nos dias de mais preocupação. Temer o futuro dispara o crescimento do maldito verme. Guarda que o tempo passa sempre, desse para outro, e outro e outros. Não há o que o faça parar, e tremer diante que está guardado por vir,angustiar com o fato de não podermos controlar todas as coisas que virão ou serão arrastadas, é vão. Inútil e vão. Tenha calma. Do contrário, logo ele tomará todos os cantinhos, preencherá todos teus espaços por dentro, até não sobrar lugar para mais nada. Para o ouvido não posso prescrever qualquer remédio. Não te queremos surda, não é? E para que isso não ocorra, é imprescindível também que escutes um tanto menos. Sobre teu verme não foi difícil perceber que se manifesta repetidamente no ouvido porque é lá a concha em que ressonam todas as vozes que te incomodam há tanto tempo e o tempo todo. As vozes que te ensinaram ou tentaram, as que tenha escolhido acatar ou desobedecer, as que te repreenderam, algumas que tenha engolido e as que devolveste conforme se fortalecia tua própria voz e dizia para negares umas tantas coisas que te vinham encher a cabeça. Por isso, como teu médico e amigo, te oriento a ouvir menos. Ao fim do tempo, quando ele se aproxima de acabar para nós, tenho a impressão de que mais vale termos nos dado ouvidos e, assim sendo, ouça mais e mais demoradamente somente aquilo dito por ti mesma.
Vejo-te novamente daqui há um mês. Deixe a consulta marcada antes de sair.
Marcella Aôr
(A propósito, estou pensando em reativar o wwwaorblog.blogspot.com. Sem compromisso, mas querendo dar uma olhada lá ... be my guest.)

Sobre fotos


Meu amor por fotografia nasceu comigo, como acredito seja assim para todos que a amam. Começei registrando minhas viagens desde muito cedo - por volta dos 12 anos - e não parei.
Um dia, surge um concurso organizado pela associação dos empregados da empresa na qual trabalhava. Bravo! Fui selecionada e lá estava eu acompanhando a exposição, no dia de sua inauguração! Desdobrava-me em orgulho quando alguém se aventurava em analisar minha obra de arte! Sim, uma bela obra de arte sobre um por-do-sol! Tempos idos e bons... Resolvi, então, fazer um curso profissionalizante. Foi o que fiz durante um ano. Faz uns 22 anos...Tempo à beça! Mas o amor...ah, o amor...Esse ainda persiste e agora quero dar todo o valor àquele que me aguardou por tanto tempo!
Bem, não pretendo discursar e nem me aventurar, pelo menos no momento, pelas bandas da literatura aqui e agora neste espaço - mas deixo claro que é outra de minhas inúmeras paixões - e coloco para que vocês avaliem mais uma foto, que não faz parte do nosso primeiro de muitos projetos mas...quem sabe?
Então, é isso! Em breve estaremos lançando nosso livro e vocês, claro serão os primeiros a saber!

Grande abraço a todos!

Márcia Vitor















Cartas na Mesa

Então vamos lá,
Prometemos um livro a ser publicado em algum momento integralmente e dele demos umas breves linhas para conhecimento e depois... Depois passaram-se sei lá, umas três semanas e não voltamos por aqui... ... Redondo engano. Voltamos a conferir os comentários, reações e a acompanhar a votação. rá rá, te peguei!
Está certo, não é justo. Voltar, voltar mesmo, assim com novidades, é fato que não o fizemos. Desculpas.
Bom, então vamos lá, aqui estou eu Marcella (de novo), com algumas cartas a por na mesa. Nossas postagens serão semanais e sempre aos domingos. Ao menos é o que pretendemos... Está certo que talvez alguns possam dizer "ah, já ouvi isso antes..." Verdade, eu tivera antes um outro blog, no qual fizera esta mesma "promessa" e não rolou! Agora entretanto não estou só. O combinado então é: num domingo Marcella, noutro Márcia. Desse jeito não há pressão nem sobrecarga e as chances de dar tudo certinho aumentam.
Aí... aí acontece que cá estou eu, como já disse - de novo - mas me explico.
Não, não vou imperativamente tomar o espaço destinado à outra nesta aventura conjunta, com alguma pretensão que possa ter sido suposta por vocês seguidores maldosos, loucos para ver o circo pegar fogo sempre.
Como parceiras nesta empreitada que somos e estando a Márcia em meio a movimentações intensas em seu dia a dia, dentre as quais seu próprio casamento, realizado quinta feira passada para selar uma união de aaaaaanos com seu ... marido (Pronto, Márcia, falei e a propósito, PARABÉNS -de novo - aos recém casados!!!!), enfim, em meio a tantas coisas às quais ela está se inventando e realizando, telefonou-me pedindo para quebrar essa.
Aproveito então a oportunidade para deixar aqui umas linhas de outubro de 2008, quando andávamos às voltas com o projeto, numa tarde de fotografias e conversas sobre títulos e capas. O conto que já vem não faz parte do projeto, mas foi inspirado nos passos que dávamos em direção a ele e destinado a um concurso literário. Está completamente cru e sem revisão, mas vá lá, a essa hora não vou ficar com melindres para preencher este espaço do qual estamos devedoras...
UMA FOTO PARA UM CONCURSO

Como parecerá aos olhos de um jurado? Como a uma banca inteira deles. Com que olhos a verão ao examiná-la todos aqueles olhos pelos quais deve passar? Terá valor? Quanto? O primeiro prêmio, algum prêmio, uma boa colocação? Eu ficaria feliz. Tê-la publicada, reconhecida nas páginas de um livro bem cuidado para ser mais e mais vista. Ou menos.
Fecho os olhos meus e a vejo. Só aí está para mim, nalgum lugar de um estado meu comtemplativo de olhos fechados. Só.
Pronta, impressa, não a vi. Não era preciso. Tão logo a busquei, já estando com o envelope preenchido de acordo com o regulamento do concurso, corri ao correio a enviá-la.
Com o cuidado de não lhe passar os olhos, retirei-a de um envelope que me foi entregue na pequena loja bairrista de fotografia e passei-a ao outro. Mais dez passos, o correio, selo, A.R., preço, pagamento, troco e lá se foi .
Lá se foi ela, a foto, ganhar seu rumo a correr pelos olhos de outros a julgá-la, a ver se vale alguma coisa.
Não era preciso. A mim só já tinha todo o valor que lhe era possível dentre os maiores que lhe quisessem ofertar. No “quem dá mais”, ninguém para mais dar que eu. Por mais altos que fossem os lances e por mais cara que ficasse, ainda seria pouco posto o que é para mim. Mesmo sem a ter visto pronta.
De olhos fechados a revejo, tentando fazer dos meus os olhos de quem a receberá com a tarefa de atribuir-lhe nota.
Há que lembrar que é preciso que a foto tenha por assunto a temática sugerida pelos organizadores do concurso, ou pelo menos a tangencie.Com força aperto os olhos fechados perscrutando-a na tentativa de encontrar onde eles possam ver o que sei. Em que canto do cenário que esta foto compõe estaria sua história? Em que profundidade perceberiam sua relação com o tema? Em que ponto sua luz e sua sombra irão revelar o valor que tem a honra de eu lá ter estado a criá-la numa tarde quente mas agradável, de boas conversas.
Não sei se chegarão a vê-lo, o motivo, o dia, as conversas, o céu tão lindo que estava.
Sim, o céu verão e o dia bonito sem fim. Ao que me lembro, o dia como estava fez a foto ainda mais bela. O céu em moldura, azul infinito, e a rua tranqüila. Os carros, todos os que aparecem estão estacionados. Nenhum trânsito. O único movimento, minha coisa favorita na foto, é a ousadia de um senhor que vai a pedalar pelo meio da rua.
Veja que abuso, pelo meio da rua. O cabelo todo branco de uma idade que vai avançada e a pele de uma cor saborosa e uma firmeza antagônica aos fios brancos que leva na cabeça erguida. A postura indefectível, mas pura, natural. Não há rigidez nem força em seus movimentos, é um pedalar relaxado, leve, sem preocupações. Vai ele tão solto, que um assobio lhe sai dos lábios ensaiando uma melodia doce e contínua. Pedala e assobia, pedala e assobia e pedala. Enquanto pedala vai assobiando displicente ao atravessar a rua vazia. Vai só e lá vai, bem pelo meião dela, sem medo. É o dono do mundo. Daquele pedaço de mundo, onde além dele lá estávamos eu e Marcella a bater fotos e bater papo sobre o projeto que pretendíamos engendrar.
Não era coisa de muito tempo nos termos conhecido, mas já parecia estar vindo bons frutos. As idéias foram boas. São. Quem sabe junto forças para levá-las a termo. A foto foi para umas linhas que ela vinha escrevendo numa dessas idéias que bolamos.
Foi uma tarde boa e produtiva a da foto. Falamos, falamos, tivemos mais idéias e conseguimos a foto. Ela adorou. Quando nos voltamos a ver, no trabalho, me disse que não precisaríamos das outras, desde o momento em que a foto se fez à nossa frente e que eu a capturei, ela já sabia que seria aquela. Acrescentou que não tirava o velhinho de bicicleta da cabeça.
Sim, era do trabalho que nos conhecíamos e não fazia muito tempo. Talvez seja pouco para o que se tenha convencionado dizer que seja necessário ao nomearmos alguém de amigo. Talvez nessas medidas nunca tenhamos sido amigas. Que valores e que critérios para definir esses laços? Então uma tarde com uma máquina fotográfica na mão e umas conversas soltas que nos tenha rendido uma boa foto é pouco? Pouco quanto? Tomara que não muito pouco.
Forço a memória da foto e já nem sei se era isso tudo. Espero que de algum pouco valha aos jurados e que a publiquem, porque gostaria muito de vê-la. Senão fico sendo só eu o que restou daquela tarde. A foto, depois de mandá-la imprimir, apaguei da máquina com as outras que ela descartara sem ver. Guardo-a somente na memória. Eu, a lembrança da foto e aquele senhor na bicicleta, que por certo ainda pedala por aí com seu assobio em deboche do perigo que não corria ao atravessar a rua tranqüila. E a rua, é claro, porque a rua ainda está lá, no mesmo lugar.
Até que são muitas coisas, mas eu gostaria que se somasse a foto pronta, impressa, para eu vê-la de olhos abertos. Para eu sabê-la no real do papel e saber que nela os jurados acharam minha história de uma tarde breve com uma amiga, ou pelo menos perceberam que só tendo amigos para numa idade daquela sair a pedalar por aí pelo meio da rua. Sem outras pessoas as pessoas não pedalam por aí assobiando. Sem outras pessoas o que fazemos é levantar com dificuldade de poltronas velhas, resmungando de dor nos quartos.

CATALOGRAFIAS

Catalografias é o título do livro a que nos dedicamos nestes últimos dois anos em reuniões bastante espaçadas considerando-se os compromissos cotidianos de cada uma, de modo que só agora concluímos este projeto que esperamos ser somente o primeiro a que nos queremos arriscar.
Trata-se de uma compilação de contos e fotografias inspirados pela cidade do Rio de Janeiro, dentre os quais, em alguns casos os contos inspiraram as fotos e em outros o inverso se deu.
As fotos que ilustram o projeto são das mais variadas datas e fazem parte do vasto acervo de belíssimos trabalhos da Márcia, fotógrafa, artista plástica, colorida e louca o suficiente para topar essa idéia de vir parar por aqui.
Já os contos foram escritos entre 2001 e 2009, frutos de uns desvarios e audácias minhas e selecionados para a temática proposta, dentre meu breve e pretensioso acervo.
No fim das contas o que conta é que nós duas estamos muito satisfeitas com o resultado que aqui principiamos a apresentar.
Contudo não será aqui que os interessados desfrutarão da leitura da complitude da obra. Este espaço do blog, arquitetamos para fomentar conversas e receber as reações dos que pelo livro se aventurarem lá no quando por fim estiver disponível (fiquem calmos, será muito em breve), com os sete contos e as fotos na íntegra.
Aqui, para uma provinha apenas, postamos por enquanto dois dos contos e fotos.
Esperamos deixá-los com vontade de saborear prato principal e sobremesa e aguardamos ávidas por elogios, críticas, sugestões, espinafradas, manifestações entusiasmáticas, odes, declarações de amor ou de ódio, o que der na telha de quem quiser aqui estar.
Dito isto, ficam postados então os dois trabalhos prometidos, e também nosso e-mail para caso falte aqui espaço para tudo a que nos propomos neste blog: projetoslivrescos@gmail.com.
Um abraço
Marcella Aôr